Abstract:
Este trabalho procurou apreender e analisar as relações de saber e com o saber de jovens de classes populares, pauperizados, moradores de duas comunidades vizinhas ao campus da Universidade de São Paulo: as comunidades São Remo e Jaguaré. Parte-se da perspectiva, cunhada por Bernard Charlot, de que há com o saber uma relação que compreende três dimensões interdependentes: com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Há a dimensão da relação daquele que aprende com aquilo que ele aprende (mundo), com quem ele aprende (outro), e como ele aprende (consigo mesmo). Portanto, toda relação com o saber é indissociavelmente social e particular. A questão da relação com o saber está profundamente relacionada às formas de existência do saber nas diferentes instituições e dos efeitos destas formas nos diferentes grupos, subgrupos e sujeitos. As relações de saber, que mais amplamente são relações sociais, são analisadas a partir das experiências de vida, ou seja, das formas que estes jovens elegem para relacionar-se com a configuração social na qual fazem parte. A partir destas formas, elencou-se quatro categorias temáticas, interdependentes, e que foram selecionadas por critérios qualitativos e quantitativos, a saber: família, escola, Programa Avizinhar e a comunidade. Busca-se compreender a influência da família, de forma não determinista, nas relações de saber. Compreender a relação estabelecida pelos jovens com a escola nas suas vidas, enquanto instituição primordial de saber legitimado socialmente. O convívio na universidade e o papel do Programa Avizinhar nas relações de saber, o Avizinhar e a universidade enquanto espaços de saber, e finalmente a comunidade, que não foi pré-estabelecida, a priori, mas que eclodiu pertinentemente, no decorrer do trabalho, enquanto espaço de saber. No trabalho de campo, realizamos: observações, entrevistas, atividades de desenho, recorte e colagem, grupos de discussão, com sete jovens (cinco do sexo masculino e dois do sexo feminino) e com suas famílias. O material coletado foi submetido às técnicas de análise de conteúdo, na proposta assumida por Bardin. A totalidade das análises empreendidas revela-nos que, para os sujeitos pesquisados, as relações de saber, para serem consideradas legítimas, devem estar imbuídas de utilidade na concretude da vida. A posse de saberes, diplomas e certificados ganham relevância e pertinência, quando significam compensação física, financeira e social, sinônimo de melhoria de vida para si e suas famílias. A relação destes jovens com os saberes, que ocorre no momento presente, é, por eles, pensada sempre enquanto recompensa futura. Pensam em adquirir saberes, no presente, que instrumentalizarão e facilitarão sua vida no futuro. Assim, os saberes ganham, para estes jovens, um forte caráter pragmático e utilitário. Desta forma, conseguem forjar a pertinência dos saberes tanto no presente como no futuro de suas vidas.